Marilia Barbosa


Marilia Barbosa

De 1958 a 1959, papai andou vindo muitas vezes a Brasília. Ele era do Exército e todas as vezes que voltava da viagem, trazia fotos da construção da cidade e uma empolgação contagiante.
Papai foi boêmio, amante das artes, cinema, música, teatro, serenatas, dança...Poesia, então, era uma loucura o que sabia de memória! Mais do que dois copos de cerveja e seu amor por Castro Alves transbordava do Navio Negreiro e flutuava em suas generosas espumas. Citava Bilac, Gonçalves Dias, Camões; era admirador inconteste de Tiradentes (por que será que sou Marília?), acho até que antes de estudar o catecismo para fazer a primeira comunhão, aos sete anos, aprendi tudo com ele sobre a Inconfidência Mineira e sou grata por ter me batizado apenas de Marilia, pois não sou paciente, tolerante e nem infeliz o quanto foi a original; odiaria carregar o pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga.
Nessa época, ainda havia Canto Orfeônico nas escolas para que as crianças aprendessem os hinos comemorativos das datas importantes do país. Cantávamos o Hino Nacional ao hasteamento da bandeira, diariamente antes de começarem as aulas.
Quando papai voltava de suas viagens a Brasília em construção, ele chegava tão feliz que esses retornos marcaram em mim para sempre algo assim como o resultado da mistura de Castro Alves com Bilac com Gonçalves Dias, Tiradentes, com cantar o Hino antes das aulas e sonhar em levar algum dia a Bandeira brasileira no desfile das escola em 7 de Setembro.

Para as 18 horas do dia 21 de abril de 1960, o Presidente, Dr. Juscelino Kubitschek, havia recomendado a todo o país que queimassem muitos fogos de artificio, pois lá no Planalto Central ele estaria inaugurando a nova Capital, o futuro do Brasil e sua sorte estariam sendo lançados e que todo cidadão brasileiro em todos os cantos do País celebrasse junto.

Em minha cabeça de criança, ninguém conhecia Brasília melhor do que eu, pois meu pai, como estrategista do Exército falava há muito tempo sobre a importância da mudança da Capital para o centro do país. Ah, eu tinha aquelas fotos da construção (e ainda temos - estão com minha mãe)! Ele falava da História do Brasil como estorinhas que se conta antes da gente dormir.
Meu pai foi à guerra, tinha a Medalha do Pacificador e outras que não lembro o nome, tinha Diploma de Guerra assinado pelo Presidente. Meu pai era um herói! E Brasília ia ser inaugurada no dia do MEU aniversário.
Eu ia fazer 10 anos...

Mamãe fez um bolo de quase um metro de largura: a Bandeira do Brasil. As 18 horas, muitos convidados cantavam "Parabéns pra você" em tomo do bolo, lá fora todo o bairro, perto, e todo o país, longe, espocava em fogos. No Planalto Central nascia a nova Capital, e vendo, ouvindo e pensando diante daquele bolo verde, amarelo, azul e branco e muito doce por dentro, tive a certeza de que um dia eu teria de vir para cá.

No dia 27 de abril de 1995, pedi permissão ao padre, na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, para cantar a "Ave Maria, de Gounod '',na missa que minha família estava celebrando. Despedíamos de um ente querido, meu sobrinho Fabiano, de 22 anos, que voando tal qual meu irmão mais novo, também aviador, mais uma vez unia a família e amigos na dor.
A igreja lotada, um silêncio absurdo e eu cantei para ped ir aos anjos que o encaminhassem ao Senhor e pedi a Nossa Senhora licença para eu ficar.

Desde que cheguei, só quero dar continuidade  ao que sei, sei fazer; posso, posso fazer; quero, quero fazer.
Se minha vocação é a cultura do meu país, é aqui que tenho de estar, pois minha carreira não está a serviço do mercantilismo. A Democracia começa pela cultura e ela tem que estar ao alcance do povo, integrando idéias, harmonizando contrastes, suavizando diferenças para quebrar preconceitos entre esse mesmo povo, fazendo crescer o amor e o respeito entre as diforentes formações num mesmo país.
Quando amamos o que é nosso e mostramos com cuidados e respeito os nossos valores básicos de formação da região de onde viemos par& irmãos de outras regiões, com outra formação básica de valores culturais, podemos despertar este sentimento que mostra-se pujante e claro no futebol e nas festas populares, quando, indiscriminadamente, todos sorriem para todos, todos se abraçam e celebram juntos. E ninguém tem vergonha de ser patriota , não. O que precisamos é estender o direito de expansão desse sentimento. Que seja tão acessível ao povo ir ao teatro quanto ao cinema, ao futebol, às exposições, às escolas, ao mercado de trabalho e, principalmente, ao mercado para comprar comida.

Alguns acham exageradas as manifestações populares no Carnaval, nos campeonatos, nas Olimpíadas, nas corridas de automóveis, na catarse coletiva diante dos aparelhos de TV e esses que assim pensam fazem parte desse mesmo povo que celebra nas únicas chances que têm, apenas retraídos, ainda amedrontados por tantos anos de repressão aos mínimos direitos, cooperam sem saber ao certo o que estão fazendo, com o poderoso e disfarçado furto diário à cidadania, que só alcançará a plenitude quando conseguirmos de fato falar o mesmo idioma afetivo, social, cultural e político todos os dias e pudermos usufruir do direito às celebrações cívicas em todas as datas que a História ou as estórias tomaram importante celebrar, com alegria, felicidade,com música e paz no coração.

Essa unidade de espírito nacional, tanto nas festas. nas missas, na guerra ou na paz, só se constrói com cidadãos competentes em suas áreas de atuação, seguros de suas obrigações e compromissos, conscientes de que quanro maior é seu cargo, mais cresce sua responsabilidade diante de seus compatriotas. Ao mesmo tempo que deverá diminuir qualquer furtiva insinuação mais escondida em seu inconsciente desconhecido, de que neste momento começam suas chances de acreditar na cilada de que possa ou até já seja alguém com poderes.

Nós somos um país muito jovem e temos a prerrogativa de um crescimento sadio, da restauração do TUDO o que temos e que temos visto ser massacrado nesses poucos anos de vida nacional.

Há muitas cabeças brasileiras importantes a serem celebradas este ano, não quero prender-me apenas ao Centenário de Pixinguinha ou ao Sesquicentenário de Castro Alves. Dia 7 de fevereiro Cannem Miranda faria 88 anos, dia 31 de março Aracy Côrtes faria 97, Antônio Calado se foi, Patápio Silva, Abel Ferreira, Villa Lobos, Tiradentes, Darcy Ribeiro... e toda a nossa História está aí para ser revista, reconhecida, divulgada e cclc:brada o ano inteiro. em todas as ocasiões com consciência cívica, serenidade e segurança, pois a data maior ainda está por vir e está muito próxima: são os 500 anos da descoberta do Brasil e 3 anos é muito pouco tempo para um consenso.
Somos muito jovens e temos de ir com calma porque precisamos ter pressa..

Vim antes da virada do milênio para aos 21 de Abril deste ano celebrar também a minha destinação para a qual estive por t0da a vida a preparar-me. E a certeza de ter vindo na hora certa eu a tenho, absoluta, pois as novas lideranças na cultura do DF agem em hannonia com as necessidades e aspirações fundamentais para que se cumpra a função real-social da criação da nova Capital do Brasil (parafraseando Pedro Tierra), "a de abrigar em seu seio todas asfaces culturais do pais   .

"Senhores, a glória de um povo é ser livre.
O nome de livres é o nosso brazão.
Seja esta a divisa da nossa existência.
E este epitáfio se escreva no chão."    ·.

Castro Alves


Comentários


;